- Mas se aqui os adeptos do culto e os iniciados utilizam sangue e sacrifício de animais para evocar a força de Exu, então podemos dizer, sem sombra de dúvida, que tais entidades, sejam elementais ou espíritos que já viveram na Terra, nada têm a ver com nosso trabalho. Nós nunca, jamais compactuamos com esse tipo de prática!
- Pois é, meu filho. Mas é preciso analisar a questão mais profundamente antes de formar um juízo, sob pena de incorrermos numa simplificação. Imagine a hipótese de um alto oficial da polícia militar ou do exército que age em conformidade com a importância do posto que ocupa e da tarefa que lhe foi confiada. Contudo, a rede de manutenção da ordem pública é composta pelos mais diversos agente, e não só por esses oficiais. São muitas outras pessoas: desde os policiais de todos os níveis hierárquicos, do soldado mais raso ao tenente, até os seguranças privados, em seus variados estágios de capacitação – de vigilantes de lojas e eventos aos de bancos, grandes empresas e personalidades -, passando por todas as corporações paramilitares e não militares, como a polícia investigativa, as guardas municipais e metropolitanas, os agentes carcerários, etc. Enfim, trata-se de uma rede ampla e altamente capilarizada², cujos integrantes, em boa parte, trabalharão nas ruas, diretamente ligados ao público, e muitíssimas vezes em zonas onde existe grande corrupção, marginalidade e outros obstáculos ao trabalho que pretendem realizar os que representam a lei em instancias e níveis distintos.
Evidentemente, em alguma medida, elementos dessa hierarquia flertarão com o mundo que pretendem policiar. Agora, a pergunta que cabe é: pode nosso oficial hipotético abdicar da contribuição de elos dessa cadeia, condenando determinadas práticas sumariamente, em todas essas organizações? Aliás, ele nem sequer dispõe de autoridade para isso, pois nem todos esses elos se reportam a ele. Pode ele aplicar o mesmo critério com todos os integrantes dessa imensa rede de proteção e segurança, quando as atribuições e responsabilidades de cada um são de abrangência tão diversa? Determinadas práticas se tornam mais ou menos graves dependendo da representatividade daquele que os adota; não há dúvida. Mais do que isso: de um ponto de vista pragmático, pode ele abdicar da contribuição de alguma dessas categorias, em nome de qualquer conjunto de regras? Ou, quem sabe, declarar guerra a qualquer uma delas, empreendendo uma operação para separar o joio do trigo? Mas, nessa eventualidade, quem estabelecerá a comunicação com aquele mundo que determinados agentes conhecem tão bem, justamente porque guardam íntimas relações com ele? Não são respostas fáceis nem dilemas simples, mas se apresentam de maneira muito concreta para a administração que compete àquele oficial exercer.
Dito de outra maneira, mas reiterando meu argumento: pode o oficial suspender a colaboração desta ou daquela engrenagem, limitando-se a empregar apenas os elementos que considera ideais, acima de qualquer suspeita? (...)
Sendo assim, não será atitude mais inteligente da parte do oficial utilizar essa máquina em seu proveito, colimando os objetivos maiores, de que tem ciência, extraindo o melhor produto que ela pode fornecer? A meu ver, não se trata de leniência com práticas que se deseja coibir e que são próprias do mundo, mas sim, de aceitação da realidade e das limitações humanas.
(...) Reforça a reflexão que desejo provocar a realidade de que as armas e os métodos empregados pelo policial que faz rondas na rua são de uma natureza – aliás, depende bastante, até, da rua onde monta guarda – ao passo que os recursos e abordagens do detetive, no decurso de uma investigação, são de ordem completamente diferente. O mesmo paralelo se pode traçar entre um general das forças armadas, um oficial de alta patente e, de outro lado, o segurança privado que ata num estabelecimento comercial, por exemplo. E não me refiro a armas apenas no sentido bélico, é claro, mas às técnicas e à estratégia de que cada um lança mão ao enfrentar os desafios inerentes à função ou ao papel que desempenha.
(...) Determinados grupos de seres, mesmo trabalhando sob outro tipo de orientação e sem estarem sujeitos à coordenação dos guardiões ou ao sistema hierárquico dos comandos, que pauta nosso trabalho, podem – efetivamente, a despeito disso tudo – levar grande benefício às comunidades às quais se vinculam. Mesmo não sendo guardiões, no sentido que essa palavra adquire para nós na Aruanda e nas regiões superiores, inegavelmente prestam um serviço concreto e substancial aos seus tutelados.
Não se pode esquecer que muitos desses sentinelas ou espíritos protetores, assim como a maioria dos chamados mentores individuais, são simplesmente espíritos familiares, algo já elucidado por Allan Kardec na codificação espírita¹, mas que muita gente menospreza ou não avalia corretamente. Espíritos familiares muitas vezes são comprometidos com aquele pupilo em particular ou com o grupo a que se afeiçoam, mas isso não significa que detenham grande conhecimento ou sejam capazes de lidar com situações mais complexas. São apenas pessoas de boa vontade, que procuram fazer a sua parte que lhes cabe no âmbito de ação que alcançam: tão somente isso.
(...) Enquanto certas entidades que aqui militam não se apegam aos sacríficios nem ao sangue oferecido, vendo tal prática apenas como manifestação ritualística, e não como fruto da necessidade de quaisquer espíritos, há muitos casos de espíritos dependentes de bebidas como cachaça, cerveja, uísque, vodca ou espumante. Permanecem ligados a elas, em sintonia com a vontade de médiuns e dirigentes que ainda não souberam migrar ou elevar a frequência de suas atividades anímico-mediúnicas. Alguns seres há que são mantidos dependentes do plasma sanguíneo e de rituais exóticos, enquanto outros, ainda, consorciam-se com marginais do astral, espíritos trevosos e malfeitores, em troca do plasma que seus protegidos oferecem.
(...) Por trás de tudo, existe a intenção, e é isso o que define, muito mais do que a prática em si, de que lado estão tanto espíritos quanto seus aliados no plano físico. (...) Encontraremos muita gente de boa intenção e muitos espíritos também de boa vontade, em todo lugar onde militarmos. Muitos erram não porque querem errar, mas porque não sabem fazer diferente; porque sua cultura os ensinou assim. Outros, porque, quando lhes foi dada a oportunidade de conhecer algo diferente, quem fez a oferta não soube apresenta-la de forma respeitosa, segura e clara. Então, meus filhos, olhemos esses nossos irmãos aqui ou onde formos como pessoas tentando acertar, segundo sua crença, seu grau de conhecimento e a especialidade que cada um desempenha, em cujo trabalho a Providência Divina chamou cada qual a colaborar.
- PAI JOÃO DE ARUANDA (JOÃO COBÚ)
(Livro: Os Guardiões. Ângelo Inácio/Robson Pinheiro. Ed. Casa dos Espíritos)
(¹) O LIVRO DOS ESPÍRITOS, itens 488, 509 e 514.
(²) Distribuído, espalhado como fios de cabelo,
*Grifos do Blog
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