Já não é de hoje, ou melhor, desde o começo da Umbanda que isso
vem ocorrendo. É certo que antigamente havia uma maior distinção entre os
adeptos, entre ser espírita, ser candomblecista e ser umbandista, apesar da
confusão popular entre as três religiões, naquilo que Ramatís chama de “práticas
mágicas populares”.
Não pretendo com esse texto demonstrar senão a minha própria
experiência e vivência nas religiões que citei – válida, portanto, apenas e tão
somente como uma reflexão de fé, opinião e entendimento pessoais meus.
Muitas pessoas que hoje são iniciadas no Candomblé começaram as
suas atividades religiosas no Espiritismo e na Umbanda (como eu mesmo), e mesmo
após sua “feitura de santo” continuaram “tocando a Umbanda”, o que quer dizer:
realizando as giras com atendimentos espirituais com os pretos velhos, exus,
caboclos, marinheiros, boiadeiros, ciganos, dentre outros Espíritos.
Existe muito sectarismo a fim de se fazer distinção entre ambos os
adeptos, porque – e isso não posso negar – existe muito preconceito velado dos
nossos irmãos do Candomblé para com a Umbanda, por se considerarem superiores
por serem de uma religião mais antiga e tradicional, não aceitando a
interpretação umbandista sobre os Orixás; assim como há umbandistas que
desdenham das religiões afro-brasileiras e suas manifestações, considerando-se
superiores por não se utilizarem de ritos que julgam atrasados (como o
sacrifício de animais – que, além da função religiosa, alimenta toda uma
comunidade) e isso sem falar do preconceito interno e a disputa de poder por
causa das várias “vertentes” que existem dentro do próprio movimento
umbandista.
Porém existe muitas pessoas boas, sérias e comprometidas nas duas
bandas e entre as duas bandas – a
qual são, justamente, aqueles que se afinizam com o Culto aos Orixás da forma
do Candomblé, mas que preservam a sua fé e os ritos da Umbanda.
Nada impede uma pessoa de praticar as duas formas de rito – desde que
preservando a identidade religiosa de ambos e nesse ponto há que se ter muitos
cuidados para não desrespeitar as duas ancestralidades envolvidas. É certo que
muitos terreiros de Candomblé fazem os seus “toques” para os Guias da Umbanda e
não vejo nisso nenhum mal, pois o preto velho ou o caboclo que atende num
templo umbandista “puro” (ou seja, que não tem nenhuma ligação com a religião
afro-brasileira¹) também “baixa” nos terreiros candomblecistas, trazendo as
suas palavras de consolo, a sua defumação, os seus benzimentos e praticar sua
caridade; tanto quanto o Orixá que se manifesta nos filhos-de-santo
candomblecista são os mesmos que nos visitam os terreiros de Umbanda,
manifestando (mesmo que de forma diferente na sua expressão mediúnica) nos
filhos-de-fé e mobilizando grandes cargas de energias benfeitoras, de limpeza e
cura, em comunhão com os espíritos da natureza (elementais – gnomos, silfos,
ondinas, salamandras, etc).
Conheço indivíduos sérios que trabalham na Umbanda (inclusive
sendo dirigentes de terreiro) e que são, por exemplo, iniciados no Culto
Tradicional Yorubá – Culto de Orunmilá-Ifá, assim como conheço indivíduos que
são “ortodoxa e puramente” umbandistas e são pessoas más, sem índole moral...
Isso tem a ver com a índole da pessoa e não com a fé abraçada.
Uma coisa não exclui e não diminui a outra, porque, quando digo de
preservar a identidade religiosa de ambos me refiro a fazer cada coisa no seu
lugar correto, na sua hora correta, sem “misturar”, digamos, as duas expressões
rito-litúrgicas. Há muitos terreiros que “tocam” as duas bandas e são terreiros
sérios, bons, comprometidos com o bem nas duas formas religiosas que
abraçaram...
No caso de um indivíduo que tem seu compromisso mediúnico de
trabalho com a Umbanda, poderá, no meu ver, ter o seu pai-de-santo na Umbanda,
que lhe orientará e lhe auxiliará em sua jornada espiritual dentro desse
caminho de fé, tanto quanto o iniciado no Candomblé contará com o auxílio do
seu Babalorixá ou de sua Iyalorixá naquilo que precisa cumprir nessa fé.
E se esse indivíduo tem um compromisso espiritual com as duas
religiões naturalmente que será guiado por dois sacerdotes distintos a lhe
orientar sem que isso seja algo negativo ou conflitante.
Essa estória de “você tem que escolher aqui ou lá” comigo nunca
deu certo, me causando mesmo durante alguns anos uma verdadeira crise de
consciência e de fé, mas precisamos entender e respeitar os dirigentes e as
casas que tem como regra que o indivíduo apenas exerça sua mediunidade e sua
jornada espiritual naquele lugar; podemos até não concordar, o que é nosso
direito, mas seria bom buscar o entendimento dos motivos disto, refletir,
tentar entender o lado de quem pensa assim, e entender que não temos como
generalizar, cada caso é um caso.
Durante alguns anos eu pensei que a Umbanda e o Candomblé não
poderiam se tocar juntos e isso me causava um desconforto enorme, uma crise de
fé tremenda, porque eu já era iniciado no Candomblé nessa época, mas também
trabalhava com os meus Guias da Umbanda em um centro espírita e eu interpretava
erradamente aquela passagem do “seguir a Deus e a Mamon”, graças ao preconceito
interno que eu trazia e em parte graças ao preconceito de outros trabalhadores
espíritas da época que me diziam que eu deveria me decidir e não transitar
entre as duas fés.
Hoje já tenho uma visão leve, universalista, com liberdade de
pensamento e de fé, sem a intenção de colocar um ponto final ou um julgamento
decisivo nas várias expressões de fé que existem e que eu amo (como as três
religiões que mais fazem parte da minha vida – o Espiritismo, o Candomblé e a
Umbanda; assim como me tenho afinidade expressa com o Budismo, com o Hinduísmo
e com o Hare Krishna), entendendo que cada um tem uma caminhada peculiar e que
devemos sempre, em todo caso, respeitar as necessidades espirituais,
conscienciais e evolutivas de cada indivíduo, guardando, das experiências
religiosas que passamos na vida, o aprendizado necessário que nos leve a Deus e
que nos torne alguém melhor.
ELOY AUGUSTO.
SP. 29/06/2018.
¹Ou
pensa não ter, porque, se há a presença dos Orixás é graças ao Candomblé; se há
termos yorubás ou quimbundos, é graças aos negros de Ketu e de Angola, que
cultuam os Orixás e Inkinces; ou será que quem pensa assim se esquece que os
pretos e pretas velhas da Umbanda também foram iniciados às Forças da Natureza?
Adorei o texto, meu irmão!! Apesar da pouca experiência que tenho, compartilho da mesma opinião. Como você diz sempre:"Os espíritos não têm religião", logo, estarão onde houver objetivos sérios e amor ao próximo!!! 😃 Parabéns pela bela reflexão!
ResponderExcluirLindo o texto filho, concordo os espíritos não tem religião. Muito boa reflexão.
ResponderExcluirSábias palavras meu irmão!meus respeitos
ResponderExcluir
ResponderExcluirOlá meu irmão, sarava!
Os conflitos fazem parte, inclusive eu também já passei por vários neste sentido.
A questão é que nosso julgamento as vezes pode representar nossas limitações afetivas e emotivas, e quem de nós não temos, não é mesmo?
Então, ao julgamos nosso semelhante por isso ou aquilo, em verdade estamos refletindo aquilo de modo negativo e geralmente não só por preconceitos mas também por apegos a informação quando ao invés disto deveríamos nos ater mais na compreensão daquilo que aprendemos ali e acolá e seus níveis de graus na evolução, donde aprenderiamos e muito com os pontos positivos e valorosos princípios culturais dos quais encontramos em cada comunidade com seus ritos e modos, por toda a humanidade das realidades do cosmo.
Uma vez que toda verdade é um simples fragmento em cada estágio, tudo faz parte e tem seu nível de acertividade dentro de seus limites de tempo e espaço.
Quando as práticas das religiões externa nos estimula a este estado de compreensão, instala em nós aquilo que realmente importa; a expansão da consciência que é nossa verdadeira e mais importante: a religiosidade em prática para nosso auto-poder pessoal, domínio, compreensão e evolução espiritual. Por isso, toda experiência das vertentes religiosas na manifestação da consciência ou da energia sublime são válidas e merecem respeito!