“Há séculos
que não existem mais no Brasil cultos africanos puros. Neles, a razão de ser ou
a força de seus rituais se firmava na invocação dos Orixás – que é o aspecto
fenomenológico, o contato com o sobrenatural – que eram considerados como
Espíritos Superiores, “deuses”, Senhores dos Elementos da Natureza, etc., e que
nunca passaram pela condição humana. Era Xangô, deus do trovão, do raio; Ogum,
deus da guerra, Yemanjá, deusa das águas, etc., que eram agraciados com
oferendas diversas e apropriadas. As invocações, digo eu, eram feitas
em seus rituais e acreditavam que os Orixás-ancestrais, os ditos
como “donos dos elementos”, não podiam “baixar” – incorporar em um médium
– chegar ao “reino”, mas mandavam seus enviados, em seus nomes, representando
suas forças. Eram os Orixás-intermediários. Ora, “zi-cerô”, pensa bem:
quem, eventualmente, podia mesmo “baixar”, levando-se em conta que sempre houve
médiuns e mediunidade em toda parte ou em todos os agrupamentos?
“Eu respondo:
- Os seres desencarnados e afins a seus graus de entendimento, ou
seja, de atração mental. Quais seriam, então, logicamente, os espíritos que
poderiam “baixar” representando os Orixás? Na certa, “zi-cerô”, estás com essa
pergunta na ponta da língua, não é mesmo?
“Bem, por
força da lei de atração ou de afinidade, só poderiam, mesmo, “baixar”, os
espíritos afins às suas práticas ou ritos. Nesse caso, eram os desencarnados de
sua raça – antigos sacerdotes, babalaôs e mesmo espíritos do que foram seus
chefes e outros que tivessem condições para se aproximar dizendo-se
enviados de Ogum, Xangô, Iansã, Yemanjá, etc., afim de não serem repelidos,
caso se identificassem como um desses desencarnados, pois, nos cultos
africanos, todos os espíritos considerados como eguns eram e são repelidos. Por
eguns, identificam os espíritos dos desencarnados, almas dos antepassados,
enfim, todos os que já se tinham ido, ou que passaram pela vida terrena (...)”
Cícero:
- Dê licença, meu bom “preto-velho”: dentro dessa explicação, lógica, sensata,
pois se firma na lei de afinidades, começo a penetrar cada vez mais na questão.
Assim é que tenho assistido em vários “terreiros” os ditos como “pais-de-santo”,
receberem, por exemplo, Iansã, que é muito festejada. Eles se paramentam todos
quando ela “baixa”, em saias rendadas, colares, etc. Queira repisar mais este
ponto. Quem estará mesmo “baixando”?
Preto-velho:
- Foi bom mesmo você ter insistido nesse ângulo. Aí, “zi-cerô”, há dois
aspectos a considerar: no primeiro pode ser que o “pai-de-santo” tenha
mesmo mediunidade ativa e dê passividade para um espírito feminino que esteja
na sua faixa vibratória e afim às suas práticas e rituais.
Posso
assegurar, entretanto, que, na maioria dos casos, o que se passa e está dentro
do segundo aspecto é o seguinte:
Comumente,
o dito como “babalaô” ou “pai-de-santo” cria em si uma condição anímica,
plasmando em seu campo mental as “qualidades” do Orixá que ele pretende
personificar e que, geralmente, é o daquele a quem se devotou.
Trechos do livro Lições de Umbanda e Quimbanda na Palavra de um Preto
Velho. W.W. Da Matta e Silva (Mestre Yapacany). Editora Ícone.
*Grifos do Blog.
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