AVISOS
IGNORADOS
A
gira começava no plano físico.
Muito
antes de iniciada as tarefas na matéria, no plano astral intensas atividades se
desdobravam em socorro dos médiuns e dos assistidos durante a semana anterior
ao dia de trabalho.
Os
guardiões cercavam o terreiro a quarteirões de distância, contendo a passagem
de vândalos e marginais do astral que intentavam prejudicar a harmonia daqueles
que seriam atendidos naquela noite.
Os
caboclos de Oxóssi e os boiadeiros mantinham-se a postos, retendo e
encaminhando espíritos endurecidos para locais de tratamento e reajuste nas
esferas espirituais. Muitos outros companheiros da Vida Maior, comprometidos
com o Bem, se esforçavam em atividades várias, preservando a ordem do ambiente
extrafísico da casa e dos arredores. O cheiro da defumação impregnara o salão e
o soar dos atabaques dava início a mais uma gira de caridade.
-
Lorvado seja Nosso Sinhô Jesus Cristo! – afirmou o preto-velho diante da
desconfiada senhora que sentava-se à frente do médium em transe. – A fia tá
preocupada por demais, num é mermo?! Suncê tá carregando os fardos dos outros
nas costas, fia.
-
Olha, para ser sincera, eu acho mesmo que foi feito macumba contra mim! Não sei
mais o que pensar! Nada dá certo nessa vida! Eu estou cansada...
-
Tá cansada, zanfia? Ô fia, suncê não acha que tá na hora de mudar umas coisas
não?!
-
Mas que coisas? Eu mudei de casa faz tão pouco tempo e os problemas persistem
em me perseguir.
-
Tá no momento de mudar as posturas, fia! De deixá de reclamá das coisas, dos
outros, de suncê merma, qui se cobra tanto, qui fica zi alimentando os
pensamento ruim! Se num mudá as coisa no coração fica difícil as coisas em
volta zi fica boa...
-
Fizeram algo pra mim! Porque não é possível que nada dê certo, que as pessoas
se afastem de mim como se eu fosse culpada das coisas...
-
Num finzeram macumba pa suncê não, zifia, as pessoa se afasta por causa das
suas palavras, das atitude que suncê tem! Ó, fia, o que suncê carece de mudá
são as coisas do coração de suncê, dessa mágoa toda que tu tem, dos rancor que
suncê guarda, das reclamação que fica dizendo, ê!
A
fumaça que se desprendia do cachimbo do preto velho em conjunto com o bioplasma
da arruda e guiné formavam uma luminosa nuvem de energias anti-inflamatórias
que, envolvendo a mulher, dissipava pesadas energias pardacentas com estrias
escuras que estava impregnadas em todo seu campo áurico. Estalando os dedos, na
forma de pulsos magnéticos, o pai velho irradiava sua força mental sobre a aura
da assistida, expurgando formas parasitárias que a ela se ligavam pelo baixo
padrão de ideias.
Ao
lado da assistida, sob a supervisão dos pretos velhos e guardiões, que no plano
extrafísico acompanhavam o atendimento, haviam quatro entidades profundamente
desequilibradas, emanando intensos pensamentos de revolta e ódio sobre a
encarnada.
Contrariada,
ela respondeu:
-
Ah, então quer dizer que não tem nenhum trabalho feito? Então por que minha
vida está esse caos? Eu não durmo direito, estou sempre com azia, irritada,
exausta! Isso tem que ter uma explicação!
-
Mas é que tô dizendo pra vosmecê! O probrema num é trabaio feito, inveja ou
quebranto não; o probrema tá sendo a forma que suncê tem encarado a vida, com
tanto pessimismo que só atrai coisa ruim! Suncê se alembra de fazer oração,
fia?
-
Eu faço quando vou na igreja – respondeu ela, com ar de triunfo – Você não sabe
que vou semanalmente na missa?
-
E oração em seu canzuá, suncê faz? Puquê num dianta ir na missa e não lembrar do
Evangelho de Jesus pra dentro do seu lar... Olha fia, muda seus pensamentos! Acredita
mais em suncê, seja mais positiva, deixa a vida do outro ser como é, num fica
se incomodando com o que os outros tem, fazem ou falam, não! Segue a tua
caminhada em paz, fiinha...
-
Então é só eu mudar meus pensamentos que tudo melhora? – perguntou ela entre a
revolta e a descrença.
-
Nosso Sinhô ensinou a amá e perdoá aqueles qui nos fazem mal. Perdoa, fia,
perdoa e se liberta dessas mágoa e rancor que tá tirando a sua paz. As coisas
na vida de suncê vai melhorá mas isso depende apenas de suncê. Se as coisa tá
dando errado, muda a forma de fazer, minha fia. Se tem gente se afastando de
vosmecê, será que não é preciso ver o que suncê tem de mudá nas suas atitudes e
palavras?
Profundamente
incomodada com a conversa, ela balançou a cabeça negativamente:
-
Não vim aqui em busca disso! Vim aqui porque quero um trabalho forte para
resolver minha vida. Eu tenho como pagar! Você pode ajudar ou não?
-
Nego véio vai pedi a Nosso Sinhô pa iluminá a coroa da fia. Mas esse “trabaio
forte” que suncê tá querendo fazer num vai resolver nada não, viu? Esse tipo de
trabaio nego num faz não! Sem mudança de pensamento, de nada adianta... Deus te
abençoe, minha fia! Vai em paz!
A
mulher saiu profundamente inconformada com aquilo que ouvira, mesmo
reconhecendo que precisava mudar algumas posturas, seu melindre falara mais
alto. Não tinha a mínima intenção de mudar o seu jeito de ser. Pela atração mental,
as entidades inferiores a seguiram.
Diante
do silêncio do médium, ainda em envolvimento energético com o preto velho,
aguardando o próximo assistido, o pai velho dirigiu-se, telepaticamente, ao exu
que lhe servira em algumas atividades e que acompanhara a rápida conversa.
-
Acompanha ela, meu fio, junto da sua banda! Não temos muito o que fazê por ela
no atual estado em que se encontra, mas, dentro do nosso alcance, busquemos ajudá-la
a entender sua responsabilidade e não se precipitar ainda mais...
-
Provavelmente ela vai procurar um lugar que atenda aos seus anseios – redarguiu
o exu – Pelas suas inclinações, logo encontrará alguém disposto para fazer esse
tipo de feitiçaria infeliz...
-
Com certeza, fio, mas a nossa parte compete em inspirar, em ajudá. Os fios que
a ela se ligam são alguns dos que ela calunia já há muitos anos e hoje,
desencarnados, buscam o acerto de contas... Enquanto ela num mudá o que passa
na cabeça dela, é natural que as coisas fica ruim, mas é do livre-arbítrio
dela...
-
Meu pai, quantos não são alertados e se mantém cegos e surdos?
-
É meu fio! Mas vá lá, acompanhe a moça... Tudo tem seu tempo certo e uma hora a
semente germina. Laroiye exu!
-
Saravá meu pai!
O
exu guardião, acompanhado por mais cinco espíritos especializados em tarefas de
investigação e guarda, seguiram junto da assistida perturbada e revoltada. Não
obstante os avisos e as recomendações, a que ignorara, presa nas próprias
ideias, seguiria a rota que seu livre-arbítrio permitisse, daí colhendo os
frutos amargos ou saborosos...
-
Saravá meu fio! – falou o preto velho pelas cordas vocais do médium,
dirigindo-se a novo assistido. – Qui o Cristo te abençoe e ilumine sua coroa!
Vamô ao proseadô, ê! ê!...
PAI
JOAQUIM DE ARUANDA
Médium:
Eloy Augusto. São Paulo. 06/08/18.