Voltávamo-nos em conversação
amiga para as belezas de “Nosso Lar”, quando Aldonina interveio, acrescentando:
– Alguns membros de nossa família visitam a
cidade de vocês, de tempos a tempos. Nossa irmã Isaura, que se casou em “Campo
da Paz”, há três anos, lá reside em companhia do esposo, que é funcionário dos
Serviços de Investigação do Ministério do Esclarecimento.
Percebendo-nos a curiosidade,
prosseguiu:
– Morava ele conosco, mas,
desde muito tempo, foi convocado a serviços por lá, vindo, mais tarde, buscar a
noiva.
Vicente, que se mantinha em
atitude expectante, exclamou:
– Tocamos num assunto que
muita admiração me tem despertado, desde que regressei dos círculos terrenos.
Não tinha, no mundo, a menor ideia de que pudéssemos cogitar de uniões
matrimoniais, depois da morte do corpo. Quando assisti a festividades dessa
natureza, em “Nosso Lar”, confesso que minha surpresa raiou pela estupefação.
Cecília, vivaz, acentuou,
sorrindo:
– Isto se deu também conosco.
Entretanto, é forçoso reconhecer que tal
estado d'alma resulta do exclusivismo pernicioso a que nos entregamos no plano
carnal, porque, se o casamento humano é um dos mais belos atos da existência na
Terra, porque deixaria de existir aqui, onde a beleza é sempre mais quintessenciada
e mais pura? E, além do mais, é imprescindível ponderar que não vivemos à
revelia de leis sábias e justas.
– E como são felizes os que se
casam em nossos planos! – acentuou o companheiro, denotando aspirações secretas
do coração.
Aldonina esboçou um gesto
expressivo e considerou:
– Sim, para possuirmos aqui essa ventura, é preciso ter amado na Terra,
movimentando os mais nobres impulsos do espírito. Para colher os júbilos dessa
natureza, é necessário ter amado com alma. Os que se consagram exclusivamente
aos desejos do corpo, não sabem amar além da forma, são incapazes de sentir as
profundas vibrações espirituais do amor sem morte.
(No livro OS MENSAGEIROS, no
Cap. 30 – Em palestra afetuosa. Chico Xavier/André Luiz. FEB).
Entrementes,
chamou-me a atenção determinado grupo de pessoas que analisava, na presença de
um instrutor, a natureza que viceja com esplendor naquele bosque, que mais
parecia um jardim ou parque de proporções mais amplas que os demais, que
conhecera na cidade. Notei, em meio aos que ali transitavam, casais de
espíritos de mãos dadas, alguns trocando beijos e afagos comedidos, mas
sobretudo demonstrando carinho e afeto, de uma forma que não esperava encontrar
entre os chamados mortos ou desencarnados. Pai João me surpreendeu os
pensamentos, vindo a meu encontro:
-
São casais que escolheram ter uma vida
em comum aqui em nossa comunidade, Ângelo.
-
Mas por aqui as pessoas se casam, como na Terra?
-
E por que não, meu filho? Almas
encontram afinidades entre si e escolhem viver juntas em seus recantos, em suas
habitações, e muitos até oficializam a união com cerimônias matrimoniais, qual
ocorre na Terra. Só que aqui as cerimônias visam muito mais ao convívio
social, como celebração e confraternização entre amigos, uma vez que a verdadeira união é entre almas, motivada
pela afinidade de gostos e pensamentos, propósitos e sentimentos. Talvez possamos
dizer que a cerimônia seja apenas a
oficialização de algo que já existe dentro daquelas duas pessoas.
Complementando
a ideia, Pai João acrescentou:
-
De acordo com a ligação religiosa ou
espiritual, os indivíduos podem celebrar uniões em conformidade com a fé e as
tradições que têm ou dizem respeito à identidade energética e à busca de
espiritualidade de cada um. Como temos, aqui em nossa Aruanda, representantes
de diversas culturas, pode-se escolher desde uma cerimônia oficializada por um
espírito que teve experiências como padre católico até uma conduzida por um
sacerdote druida, por exemplo, passando por opções tão distintas como as
tradições muçulmana, protestante, budista ou indígena. Como dispomos dessa
tremenda variedade e riqueza cultural, religiosa e de espiritualidade, as
pessoas elegem livremente o que querem, de acordo com suas preferências. E isso
não é tudo. Acontece, também, de
escolherem fazer tal evento em outras cidades espirituais com as quais temos convivência
mais estreita.
-
Mas é casamento mesmo ou apenas uma encenação?
-
Como encenação, filho? Casam-se mesmo e
passam a viver juntos, preparando-se para a existência física, quando então
poderão executar os planos que traçaram aqui, em nossa dimensão. Aqui é o
mundo original! Na Terra é onde temos um tipo de ilusão dos sentidos necessária
para levar avante os projetos iniciados ou delineados do lado de cá. A Terra,
como você a deixou e como a conhecemos, o mundo físico, este sim é o reflexo ou
a representação do que vivemos no plano da imortalidade. Jamais se esqueça,
Ângelo: aqui é o mundo real, primitivo, original.
(...)
Mal o pai-velho encerrou aquelas explicações, fui surpreendido por um grupo de
homens que passavam de mãos dadas, alguns trocando afagos discretos, carinho e
demonstrando um afeto tão natural que me surpreendi com o que via. Outra turma
menor, de mulheres, espíritos femininos, também passeava abraçada, lado a lado,
ou também de mãos dadas, evidenciando certo tipo de comportamento social que, à
época, ainda era muito mal compreendido na Terra. Tratava-se decididamente de
homossexuais. E isso me chocou, pois não sabia que do lado de cá encontraria
com tamanha naturalidade espíritos que se definiam sexualmente dessa maneira ou
adotavam essa identidade – nem soube como dizer.
-
Aqui todos são vistos com a mesma
naturalidade, Ângelo. Fora da
matéria, não há por que ninguém esconder-se com medo de ser rejeitado. É certo
que encontramos ainda algumas cidades espirituais cujos administradores são
muito religiosos e ligados a uma forma de pensar arcaica ou medieval, vamos
dizer. Nesses casos, espíritos que, diante de sua constituição energética,
identificam-se como gays ou homossexuais, provavelmente não serão vistos com a
naturalidade com que os vemos aqui.
Antes
que Pai João continuasse, fomos abordados por dois namorados, espíritos em
forma masculina, que pediram licença para se dirigir ao pai-velho.
-
Desculpe, meu pai – falou um dos rapazes. Permaneceram de mãos dadas com a
maior naturalidade, decerto sabendo que não seriam discriminados nem
recriminados. – Queríamos que o senhor pudesse nos dar a honra de abençoar
nossa união.
-
Claro, meus filhos! Afinal, vocês terem se reencontrado, depois de tantas
dificuldades, e reatado seu amor é algo que merece ser festejado. Para quando
será a cerimônia? Preciso me preparar, sem que afete outros compromissos. (...)
(Do
livro CIDADE DOS ESPÍRITOS, págs. 192, 193, 194 e 196, 197 e 198. ÂNGELO
INÁCIO/ROBSON PINHEIRO. Ed. Casa dos Espíritos)
*Grifos do Blog.
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